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O Espelho (Arsenii Tarkovsky)

Todo o instante que passávamos juntos
era uma celebração, como uma epifania,
no mundo inteiro, nós dois sozinhos.
mais leve que a asa de um pássaro,
estonteante como uma vertigem,
dois degraus de cada vez, e conduzias-me
por entre lilases húmidos,
no outro lado, para além do espelho.

Quando chegava a noite
eu conseguia a graça,
os portões o altar escancaravam-se,
e a nossa nudez brilhava na escuridão
que caía vagarosa.

E ao despertar
eu dizia “abençoada sejas!”
e sabia que a minha bênção
era impertinente.

Dormias,
os lilases estendiam-se da mesa
para tocar tuas pálpebras
com um universo azul,
e tu recebias o toque
sobre as pálpebras,
elas permaneciam imóveis,
e a tua mão ainda estava quente.

Havia rios vibrantes dentro do cristal,
montanhas assomavam por entre a neblina,
mares espumavam,
e tu seguravas
uma esfera de cristal nas mãos,
sentada num trono ainda adormecida
e – meus Deus do Céu!  – tu  pertencias-me.

Acordavas e transfiguravas
as palavras que as pessoas pronunciam todos os dias,
e a fala enchia-se até transbordar
de poder ressonante,
e a palavra “tu”
descobria o seu novo significado: “Rei”.

Objectos comuns
transfiguravam-se imediatamente,
tudo – o jarro, a bacia – quando,
entre nós como uma sentinela,
era colocada a água, laminar e firme.

Éramos conduzidos, sem saber para onde;
como miragens, diante de nós recuavam
cidades construídas por milagre,
havia hortelã silvestre sob os nossos pés,
pássaros faziam a mesma rota que nós
e no rio peixes nadavam correnteza acima
e o céu desenrolava-se
diante dos nossos olhos.

Enquanto isso o destino
seguia os nossos passos
como um louco de navalha na mão

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