A Nathalia Pasternak e o Carlos Orsi (embora que eu acho que seja o Carlos Orsi convencendo enviesadamente a nathalia Pasternak) contestam a por não ser científica, baseada em evidências. E ontem mesmo encontrei um dos artigos de Lévi-Strauss que fundamenta boa parte da psicanálise (a de ) a partir dos anos 1950, chamado "A Eficácia Simbólica":

LÉVI-STRAUSS, C. L’efficacité symbolique. Revue de l’histoire des religions, v. 135, n. 1, p. 5–27, 1949. persee.fr/doc/rhr_0035-1423_19

Afora esse artigo ser um verdadeiro achado, vale ater-se ao título, "eficácia simbólica": trata-se de uma "eficácia" (aspas!) cujo sentido nada tem a ver, nem de longe, com o tipo de "eficácia" visado por Orsi e Pasternak.

Como encarar isso? De duas, uma:

- ou negamos toda a antropologia e as ciências humanas do século XX para afirmar que apenas certo viés das ciências naturais do século XIX, com alguns argumentos recapados do século XX (especialmente via Popper), valem (e com isso sacrificamos também a antropologia do século XX, deixando o quê no lugar? A antropologia darwinista do século XIX?)

- Ou admitimos que o tipo de interrogação que Orsi tenta fazer à psicanálise não tem muito sentido, ou teria o mesmo sentido pelo qual os psicanalistas gostam de dizer que as outras correntes psicológicas nada sabem porque ignoram o inconsciente. Ou seja, o tipo de interrogação feita por Orsi não teria sentido algum, pois tenta refutar um corpo doutrinal sob os juízos (pouco definidos, inclusive) de outro.

@askesis tenho a impressão (achismo) que o problema começa com a delimitação de clínica, e, consequente e fundamentalmente, de doença. Se o que é tratado na clínica psicanalítica for uma depressão no mesmo sentido da medicina 'experimental', a avaliação sobre se funciona ou não pode ser submetida aos métodos experimentais, e o resultado em geral é que a clínica psicanalítica não difere muito dos efeitos placebos ou dos tratamentos ruins.

O problema seria: as doenças são as mesmas?

@nelsonsantana

Olá, Nelson, minha impressão é de que esse tipo de debate é de saída mal colocado, pois evoca questões bastante minuciosas a serem resolvidas numa espécie de debate de divulgação científica (aliás, área do Orsi, e só), tentando dar respostas em estilo de divulgação científica para as questões complicadas, o que de saída é uma canoa furada.

Disso, há muita coisa a considerar e vários níveis para possíveis respostas. Num primeiro nível, poderíamos tentar encontrar um parâmetro comum para analisar as coisas, mas qual seria? Seria ele baseado em noções normativas e jurídicas, ou em parâmetros baseados em gosto pessoal? Acho que existem procedimentos nesse sentido - de tentar encontrar um parâmetro comum para dizer que a psicanálise de fato "cura" e é "eficaz" - e o Dunker chega a comentar alguns, por ex. aqui (youtu.be/UOXrNXr_slo) Mas o esforço, aqui, é o do psicanalista tentando mostrar que, para além de qualquer aspecto possível, a psicanálise é sim terapêutica, tem "resultados" etc..

Por outro lado, e seria o lado mais delicado a meu ver (e mais interessante), deveríamos perguntar se de fato há coincidência possível. Olhando para a literatura psicanalítica, há uma perpétua denúncia contra as abordagens naturalistas que, inclusive, fez nascer e perdurar a psicanálise. Isso não é achismo, casualidade, remendo teórico, e sim fruto de problemas reais e desenvolvimentos a partir desses problemas (desenvolvimentos que, inclusive, são alheios aos desenvolvimentos dos naturalistas, que também, enfim, "evoluíram"). Disso, o que diz respeito à doença, à terapêutica e à cura seria totalmente diferente nessas "abordagens".

Um exemplo que me parece bastante fácil de achar é o eterno denuncismo do Lacan contra as psicologias norte-americanas e às psicanálises anglófonas e francófonas que de algum modo imitariam esse modelo cientificista. A denúncia é constante a respeito de abordagem adaptacionista, tecnicista, mecanicista etc.. E não à toa, o modelo que o Lacan adota para se contrapor a isso é, por exemplo e dentre outras coisas, aquele do antropólogo estrutural (situado beem longe dos modelos experimentais). Quando Lacan tenta sustentar as próprais posições em detrimento dessas outras, ele acusa precisamente que questões como a do inconsciente, da linguagem e por conseguinte, da subjetividade, são ignoradas, e portanto a terapêutica inteira dos outros seria falseada etc..

O incrível, nisso, é que se adentrarmos numa perspectiva (como essa do Lacan, ou qualquer outra), conseguimos ver o mesmo tipo de avaliação anulatória das outras perspectivas que encontramos agora nesta, do experimentalista, que acusa a psicanálise de ser falseada. Fundamentalmente, a questão seria de que, baseado em determinado corpus conceitual, muda-se igualmente o objeto, a prática e o sentido de qualquer perspectiva "científica" e por conseguinte sua definição de "eficácia".

Há muito mais coisa envolvida aí. Por ex., o fato de que sempre foi um desafio para o experimentalismo conseguir aderência na clínica, uma vez que a clínica não tem nada de experimental e inclusive é um espaço social tão arbitrário quanto qualquer outro. Até os anos 1990/2000, ainda se perguntava sobre as dificuldades da "transição do laboratório animal para a clínica". Antes disso, por ex., autores como Skinner diziam que a clínica não passa de uma "agência controladora". De lá para cá, as coisas mudaram, e em peso, e inclusive as mudanças parecem bem interessantes nisso que hoje em dia chamam de "psicologias baseadas em evidência", inclusive.

Disso tudo, o "debate" parece muito mais midiático do que indo às vias de fato. E acho que esse estado de coisas não mudará. O perigo, me parece, é quando a questão midiática acaba passando por debaixo do tapete se fazendo passar por científica. Acho que é um pouco esse medo que mobilizou, por ex., o Dunker para fazer trabalho de divulgação científica.

(p.s.: não sou psicanalista! rsrs)

@nelsonsantana

Complementando: a meu ver, há um problema muito sério em divulgação científica em Humanas.

Quando um físico é chamado a fazer divulgação científica sobre a teoria quântica, por ex., é óbvio que o leitor não entenderá de física quântica senão alguns aspectos muito básicos que permitiriam "aventar" alguma coisa. Mas essas analogias, construções, imagens empregadas, em nada representam o que o físico faz e todo o rigor envolvido. De todo modo, o leitor, o espectador, aceitam essas analogias, sabendo que o debate seria "mais profundo".

Já em Humanas, tenho muito a impressão de que esse vai e vem entre o rigor e a divulgação científica não ocorre, e muita gente confunde todo o sentido de uma teoria com aquilo que enxerga no âmbito da divulgação científica.

Penso que isso é culpa nossa, dos cientistas humanos. E que esse quadro deveria ser mudado (embora eu não sei ainda como rsrs)

@askesis Na Filosofia, tentamos fazer com que os leitores leiam diretamente as obras filosóficas dos grandes autores. Platão exige menos esforço que um Dostoieviski, então não tem muito porquê não ler diretamente as obras mais tranquilas de Platão, por exemplo

Mas acho que as Ciências Humanas se relacionam mais com o que há de comum na vida humana, e todo mundo tem alguma opinião ou pensa que entende. Diferente quando me falam de buracos negros, ai só posso ter fé que o cientista sabe o que diz

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@nelsonsantana mas há tambem senso comum que foi construído, por ex sobre o heliocentrismo ou que existem leis de Newton, que há flutuação dos corpos na água ou que existe corrente elétrica etc, com mais ou menos aproximação do conhecimento ingênuo. Isso não impede que se tenha certa noção de que as coisas sejam bem mais complexas.

Também se pode facilmemte saber que Platão é dualista ou que Freud fala do inconsciente; mas bem diferente é mergulhar na doutrina dos autores, ir à língua e aos conceitos, comparar as doutrinas, notar que geralmente as mesmas palavras não significam as mesmas coisas (e nem as mesmas palavras rsrs) etc..

Parece haver certo respeito quanto ao que os cientistas naturais dizem, "não é bem assim" etc, fenômeno que curiosamente o senso comum não compartilha com as ciências humanas (embora isso tenha talvez se potencializado nos ultimos anos e na acusacão de que as humanas não passam de conspiraçao de esquerda etc)

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