Follow

Tenho dado certa atenção às psicologias do trabalho nos últimos tempos e a impressão é tão ruim que a única figura que consigo lembrar é a de Descartes, que nas Meditações dizia que a situação do conhecimento era tal que seria preciso abandonar tudo o que foi obtido até agora e recomeçar do zero para se começar a entender alguma coisa.

A situação é tal que simplesmente não consigo encontrar sequer um texto - não importando se o autor é famoso ou não - que me situe, por exemplo, de onde vem a noção de "organização", ou de "psicologia organizacional".

Pelo contrário, o que há é um festival de gente "definindo" organização como se fosse algo totalmente destituído de história.

E, sob meu olhar essencialmente ingênuo, consigo perceber, por exemplo, que "gerência científica" (Taylor) não é "organização", ou que "psicologia industrial" se refere à indústria e não a organizações. Mas, de repente, termos como "organização" e "psicologia organizacional" foram generalizados, não sendo apenas fruto de um olhar para a indústria, mas para qualquer, enfim, "organização".

Se a adoção de um termo e sua generalização são operações históricas, é de cair o queixo quando se vê uma área inteira que não consegue definir de onde vieram seus termos.

É por isso que as teorias organizacionais são uma salada indigesta. Elas inclusivem gostam de criticar o fato de que Taylor chamava de "administração científica" uma prática que de científica não tinha nada. Só que, não importa a metáfora (cérebro, máquina, organismo etc.), e não importa o empréstimo de teoria (psicológica, sociológica, da engenharia [?] etc.), as teorias gerenciais do século XXI continuam não sendo "científicas", e não passam de qualificações situadas por alguns teóricos, mas que são generalizadas em escala humana.

Lembro de Lacan, em Função e Campo da Fala, dizendo que Freud, ao contrário dos freudianos, não ousava avançar demasiadamente dos âmbitos centrais da psicanálise por cuidado de não perder as principais descobertas dela - em torno do inconsciente - sob o risco de manobras teóricas precipitadas. E eis que encontro Dejours abusando de termos psicanalíticos, temperados com outros termos fenomenológicos, para tirar conclusões inteiras da cartola.

E o mesmo se dá quando se usa noções como a de "comportamento organizacional". Ora, tudo é comportamento, mas o que autorizaria então a criação de uma sub-ciência comportamental? Certamente não é uma extensão das pesquisas behavioristas, e sim uma extensão de certa prática alheia ao behaviorismo que, de repente, passou a requerir behavioristas.

Os físicos que trabalham com mecânica quântica, ao menos, costumam rir dos empréstimos de seus conceitos.

Mas e os psicólogos? Eles deveriam estar no mínimo desconfiados de ver tantas teorias serem empregadas sob critérios tão duvidosos. Pois um recrutador pode ser behaviorista ou psicanalista, não importando se Freud e Skinner, ou Lacan e Skinner, são como água e azeite, embora o meio no qual os recrutadores estão - a seleção - pareceria ser homogêneo.

Mas enfim: viva Descartes.

Sign in to participate in the conversation
Qoto Mastodon

QOTO: Question Others to Teach Ourselves
An inclusive, Academic Freedom, instance
All cultures welcome.
Hate speech and harassment strictly forbidden.