Difícil visitar as redes sociais e não ver algum tipo de generalização ad absurdum do princípio do "estágio do espelho" de Jacques Lacan.
É como se aquilo que Lacan descrevesse como estágio constitutivo da subjetividade (e operante em nossas relações) recebesse, pelas redes sociais, uma espécie de cuidado de gestão, de instrumentalização, de monetização.
E os resultados disso são terríveis.
Lacan já demonstrava como nós tentamos sempre nos sustentar a partir da sustentação de certas imagens, e é uma espécie de aprendizado ou tarefa haver certa elaboração na qual aprendamos sobre nossa finitude, e sobre o fato de que nenhum jogo de imagens é suficientemente duradouro sem causar sofrimento (via de regra, patológico).
Lacan demonstrava também que a contrapartida da inadequação de uma imagem - inadequação sempre inevitável em algum momento - é sempre a agressividade.
Esse movimento de erigir uma imagem, de constatar a inadequação, de instaurar um jogo agressivo e de repetir o jogo das imagens é contínuo em nossa vida, e é precisamente isso que as redes sociais também fazem.
Só que elas o fazem de um modo inverso ao que ensinava Lacan: trata-se sempre, nas redes sociais, de sustentar a imagem, de não a quebrar jamais, não importando o preço, pois nossa cultura está nos ensinando que as imagens seriam plenamente manipuláveis por alguém, e o preço da quebra de uma imagem é a ruína, o fracasso, o aniquilamento de uma subjetividade.
E assim as pessoas parecem repetir exatamente a figura d'O Retrato de Dorian Gray. Ou melhor: é uma cultura inteira gerindo a si própria segundo a figura de Dorian Gray.
Não é à toa que se fale tanto em infelicidade e proliferem tantas narrativas sobre o fim do mundo.